terça-feira, 4 de março de 2008

Fellini não via filmes

Eu não sabia disso. Quem me contou foi o Renato Janine Ribeiro, que foi meu professor na USP, numa conversa na sala contígua à da chefia do departamento de filosofia, em 2003. Falávamos sobre política científica -- ele, na época, se candidatara à presidência da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência e eu o apoiava -- e sobre o livro que o Renato estava acabando de escrever, e que tinha como subtítulo "Fellini não via filmes". Para ser um cineasta de primeira, argumentava Renato, Fellini não precisava ver filmes. Da mesma maneira, para ser um pesquisador de primeira, o aluno não precisava ler os filósofos na língua original. (Para quem não sabe, a maioria dos professores da USP exige que os pós-graduandos -- ou graduandos, conforme o caso -- leiam os pensadores na língua em que eles escreveram: grego, alemão, latim, francês arcaico, inglês... Por isso, todos nós, que cursamos filosofia na USP, aprendemos 2, 3, às vezes 4 idiomas.) Renato defendia uma formação cultural mais ampla e criativa, diferente daquela que tínhamos na FFLCH, focada em um determinado tema de determinado autor, e sem nenhum estímulo à criatividade (com algumas exceções, como Marilena Chauí, Olgária Mattos, Maria das Graças, Scarlett Marton, o próprio Renato, Sérgio Cardoso...). Claro que eu concordava, e ainda concordo, com ele.
Lembrei disso porque, na postagem de terça-feira passada, dei o título "Felliniana" a meu relato sobre a sessão da câmara de vereadores de Cotia. E fui para lá, hoje, esperando ver mais cenas dignas de um filme de Fellini. Para minha surpresa, isso não aconteceu. Se Fellini não via filmes, dessa vez nós, audiência da câmara, também não os vimos.
A sessão transcorreu tranqüila -- com exceção do Tagarela, claro, que, para fazer jus ao nome, ficou ali apenas cinco minutos, e nos cinco dirigiu-se à Mesa e falou alto, atrapalhando a leitura que se fazia do projeto de lei do zoneamento. Fora isso, os vereadores até que se comportaram de acordo com a seriedade que deles se espera. O público é que estava inquieto. O calor e o texto técnico demais para nós, leigos, levaram muita gente a ficar dispersa e a preferir conversar.
Foram duas horas, sem intervalo, de leitura. Os vereadores Rodrigo, Nadinho e Kalunga revezaram-se nela, e conseguiram chegar ao artigo 62 do projeto. São 81, no total. Com um pouco de boa vontade, na terça-feira que vem a leitura termina. O que virá depois? Para saber, é só ler a próxima postagem.
















O vereador Rodrigo Santos lê o projeto de lei do novo zoneamento da cidade.

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